terça-feira, 31 de julho de 2007

O Negro na Telenovela Brasileira

E

m 1969, a Rede Globo exibia A Cabana do Pai Tomás, a primeira superprodução da TV brasileira que levaria ao público uma história cujo protagonista era um não-branco. A novela seria motivo de orgulho para o negro brasileiro, não fosse pela infeliz escolha do ator que daria vida a Pai Tomás. Uma emissora que desde aquela época podia contar com o talento de Milton Gonçalves, Antonio Pitanga e Zózimo Bulbul, escalou Sérgio Cardoso, grande galã da época, mas branco. O ator, também um dos escritores da novela, foi pintado de preto e usava rolhas nos lábios e no nariz afilado para apresentar-se todas as noites para uma população composta por 50% de afro-descendentes.

Esse é apenas o mais conhecido dos inúmeros e lastimáveis episódios de nossa TV narrados por Joel Zito Araújo no livro A Negação do Brasil: O Negro na Telenovela Brasileira. O livro traça um panorama da presença e do enfoque dado ao negro nas telenovelas brasileiras entre 1963 e 1997. Com farta pesquisa de material de época e entrevistas com atores do período, o autor mostra com dados irrefutáveis, como tabelas e listagem das novelas e de seus respectivos personagens negros, que, excluindo-se casos que juntos não chegam a 1%, as novelas nunca deram o devido espaço e respeito ao afro-descendente.

Joel Zito mostra que a novela brasileira, produto de sucesso nacional e de exportação para os quatro cantos do mundo, vende a imagem do negro como subalterno, submisso, pronto para servir ao senhor branco. Mas o autor acredita que esta negação do Brasil não retrata nada além do que é visto na elite nacional. O mito da democracia racial, o idealismo branco e o desejo de europeização de toda população, mascarado por personagens fictícios que invadem todas as noites os lares brasileiros é o espelho do preconceito enraizado há mais de 500 anos e que até os dias atuais circunda e permeia as relações inter-raciais.

Um exemplo da imagem submissa retratada nas novelas é reproduzido por Joel Zito. Na novela Pátria Minha, o personagem do ator Alexandre Moreno, um jardineiro, é humilhado pelo patrão e vilão da história, Raul Pelegrini. Acusado injustamente de roubar as jóias da família, Raul xinga o empregado, entre tantos outros nomes, de negro safado e incapaz de aprender alguma coisa. Mais polêmica do que a humilhação foi a reação do personagem: de cabeça baixa, não reagiu e foge do patrão. A cena causou protestos de diversos grupos militantes da causa negra.

O trabalho de Joel Zito Araújo, cineasta e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, onde participa do Núcleo de Pesquisas sobre Telenovelas, também lembra de diretores importantes e comprometidos em retratar a imagem do negro brasileiro de maneira justa, como Janete Clair, que, por exemplo deu ao ator Milton Gonçalves o papel de um psiquiatra formado em Harvard na novela Pecado Capital, de 1975. Entre erros e acertos dos dramaturgos e diretores das telenovelas brasileiras, Joel Zito finaliza o livro questionando se nos próximos anos a telenovela brasileira assimilará com mais naturalidade e regularidade, o talento, a personalidade e a aparência física do ator negro e garantindo o mesmo espaço que hoje já desfrutam os atores e atrizes negros norte-americanos. É certo que os anos futuros imaginados pelo ator ainda não chegaram.

A Negação do Brasil: O Negro na Telenovela Brasileira - Joel Zito Araújo - Editora Senac - 2001 - 323 páginas

Ana Paula Galdini


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